quarta-feira, 6 de março de 2013


O violão

O violão, sem duvida o mais popular de todos os instrumentos, é um cordofone de cordas dedilhadas cujas origens se perdem na noite dos tempos. Porém, considerando a sua sonoridade e as suas características formais, pode afirmar-se que o instrumento como tal começou a ser desenvolvido na Europa durante a Baixa Idade Média. O violão moderno fez a sua entrada em cena no século XVIII, coincidindo com a adoção de numerosas melhorias técnicas que lhe deram um forte impulso como instrumento de concerto. A partir desse momento, o violão sofreu alguns altos e baixos até alcançar a popularidade de que goza nos nossos dias. A sua implantação na Espanha contrapôs-se à crise que viveu durante o barroco no resto da Europa. O advento da dinastia dos Bourbons trouxe consigo certo francesismo aos gostos musicais da época. Ainda assim, durante o século XIX os grandes compositores souberam aproveitar o melhor da música popular e, com ajuda de violonistas consagrados, conseguiram dar ao violão o papel de protagonista que ainda conserva atualmente. Além da música clássica, o flamenco foi fundamental no desenvolvimento da técnica do violão não só na Espanha, mas também no resto do mundo, e contribuiu bastante para a difusão do que hoje se pode considerar o instrumento por excelência.

Um instrumento universal
As origens do violão não são muito claras. Se considerarmos a forma como é tocado, podemos afirmar que os instrumentos de cordas dedilhadas apareceram ainda antes da nossa era. Por exemplo, numa gravura babilônica do ano de 1900 A.C., aparecem vários instrumentos de duas ou mais cordas, que apresentam o típico pescoço da família do violão, dedilhados com a mão direita.

Todos os caminhos vão dar no violão
Em qualquer um dos casos, estes antecedentes são muito remotos. Regra geral, os historiadores preferem centrar-se em civilizações mais próximas no momento de tentar traçar a historia do instrumento. Neste sentido, uma das hipóteses existentes vincula o violão a um alaúde de Graco comprido presente na Grécia antiga e conhecido como pandura ou trichordon. Também se especulou em relação à sua proveniência de um instrumento de cordas originário da Ásia Menos chamado kitâra. No entanto, talvez uma das teorias que se impuseram com mais força seja a que defende que o violão deriva dor barbat, isto é, o antecessor do alaúde árabe.


Se tomarem como certos os argumentos de especialistas que defendem que estes instrumentos foram introduzidos na Europa pelos árabes, existe uma sólida ração para associar o violão a uma zona onde a influencia árabe era maior: a Península Ibérica. Com efeito, a primeira descrição de um violão vem de uma iluminura de Novo Testamento, do ano de 926 proveniente do Mosteiro de São Miguel de Escalada (Espanha). A ilustração mostra quatro personagens tocando longos instrumentos com uma forma quase perpendicular ao corpo ou então sobra o joelho. Apresentam uma forma de pera e um Graco que termina numa voluta larga que contem as tarraxas. Um é tocado com arco, mas os outros três são dedilhados, um delas com uma palheta. Apesar destes argumentos, é arriscado afirmar que o violão chegou à Europa através da Península Ibérica. Existem representações de instrumentos semelhantes em manuscritos e documentos do Centro a Europa ao longo de toda a Idade Média, de onde se pode deduzir a existência de uma tradição autóctone que conviveu com uma estrangeira. Neste pressuposto, não é estranho que na Idade Média se distinguisse entre vilão latino e violão mourisco, embora para alguns musicólogos tentar distinguir as características próprias de cada modelo implique um esforço em vão. Estes protótipos conviveram também com a cedra, instrumento conhecido na época como cítola. Outra teoria afirma que o violão teria feito a sua entrada no continente europeu através do Sul da França, visto que a Provença era o centro de uma tradição de trovadores que se expandiu por inúmeros países. Bom testemunho disso são os exemplos de escultura figurativa que enfeitam as igrejas do primeiro período gótico na Inglaterra e na França, destacando-se entre eles os anjos músicos do coro das catedrais de Lincoln, Chartres e Reims.

O alaúde, primo distante do violão

Todas as tentativas para estabelecer quais foram as origens do instrumento o associam ao alaúde, cuja presença é mais antiga. Nos finais do século XV o violão apresentava uma mão ligeiramente inclinada com tarraxas posteriores, um fundo plano ou com um certo abaulamento, um braço independente, uma boca central e quatro ordens de cordas. A chegada do Renascimento marcou um ponto de inflexão nas investigações sobre a origem do violão: desde então conservaram-se exemplares dos instrumentos bem como referências documentais.
As cordas dos violões eram afinadas habitualmente por ordens, ou seja, tratava-se de pares de cordas afinadas no mesmo tom ou oitavas. O fato de afinas as diferentes ordens em uníssono era uma característica própria da banza, um instrumento popular dos finais do século XV e durante todo o século XVI com o qual se relaciona a protoguitarra medieval. No século XVI, os violões possuíam quatro ou cinco ordens de cordas (e já havia alguns exemplares de seis) e eram menores do que os seus equivalentes modernos. Parece que enquanto o exemplar de cinco ordens era preferido para instrumento de acompanhamento, o de quatro era reservado para a música polifônica, como parece confirmar-se nos “Tres Libros de Musica en Cifras para Vihuela” , de Alonso de Mudarra (1546). A música, composta para ser tocada através da técnica do dedilhado, não dava as notas que deviam ser tocadas, ma sim um sistema de símbolos que indicava a duração das notas. Após a publicação de Mudarra seguiram-se muitas outras. O instrumento a que estes tratados se dirigiam era menor do que o violão moderno, tinha uma cintura menos pronunciada (embora provavelmente fosse mas do que a da banza) e, muitas vezes, uma rosácea muito trabalhada onde hoje se situa a boca. O fundo era, em geral, plano. Era tocado com uma palheta e costumava ter cordas metálicas. Os seus trastes eram de metal como os do violão moderno. Quando fabricadas com tripa, as cordas atavam-se à volta da escala.
Com a passagem do Renascimento para o Barroco, o modelo de quatro ordens deu progressivamente lugar ao tipo convencional de cinco, que se pode considerar estabelecido, em definitivo, em meados do século XVI. A junção da quinta corda, a chamada prima, foi atribuída historicamente a Vicente Espinel, razão pela qual mas tarde foi batizada de espinela. A primeira musica escrita para este modelo, incluída na Orphenica Lyra de Miguel de Fuenllana, foi editada na Espanha em 1554. De fato, destina-se a um instrumento afinado como o violão moderno mas sem a corda mais grave. Um ano depois, outro espanhol, Juan Bermudo, mencionou diversas afinações, mas a proposta de Fuenllana reapareceu na obra “Guitarra Española”, de Juan Carlos Amat, publicada em Barcelona em 1596. Amat analisa sobretudo o papel do violão como acompanhante e estendia-se pela técnica chamada da música ferida, que consistia em realizar acordes com a mão esquerda e zangarreá-los (tocar em rasgados) com a direita. Na época, deu-se um impulso ao sistema de pauta, que aparece no primeiro manuscrito destinado ao violão de cinco ordens compilado por Francisco Palumbi na década de 1590 e no qual os acordes eram identificados com letras do alfabeto. O sistema emprega uma série de linhas verticais par indicar se os toques com a mão direita deveriam dar-se de cima para baixo ou ao contrário. A pauta converteu-se no sistema mais comum da notação de violão durante o século XVII.
Foi atribuída a invenção dos rasgados ao italiano Girolamo Montesardo na obra “Nuova Invenzione de Intavolatura per Sonare Le BAlleti Sopra La Chitarra Spagnuola Senza Numeri e Note (1606).
Amat, no entanto já o mencionava no seu tratado. Em meados desse século, o violão de cinco ordens era usado na Inglaterra, na Itália, na França e na Espanha. Juntamente com este modelo convivia outro de dimensões mais reduzidas, muito semelhante ao cavaquinho.

Um novo gosto musical
 O auge do violão que se viveu a partir de finais do século XVI levou, segundo o testemunho de alguns contemporâneos, ao abandono da viola de mão, tão na moda nos séculos anteriores. A relativa facilidade com que se podia tocar o violão, especialmente os acordes rasgados, provocaram a sua rápida difusão entre as classes populares e a critica dos intelectuais da época, apesar de ir ganhando prestigio ao longo do século XVII. Os vários tratados que os músicos e teóricos lhe dedicaram não fizeram mais do que aumentar a sua popularidade. Entre eles destaca-se o Metodo para Aprender a Tañer La Guitarra a ló Español de Luís de Briceño, publicado em paris em 1626, o Novo Modo de Símbolos  para  Tocar a Guitarra com Variedade, Perfeição, e Mostra-se Ser um Instrumento Perfeito e Muito Abundante, do português Nicolás Doisi de Velasco ( 1640) ou o Libro Primo di Chitarra Spangnuola, do italiano Angelo Michele Bartolotti, do mesmo ano. Em 1674, veio à luz o tratado de Gaspar Sanz intitulado Instrucción de Música sobre Le Guitarra Española y Metodo de sus Primeros Rudimentos hata Tañerla com Destreza, o mais importante de todos os que foram publicados ao longo do século.
O crescente interesse que o instrumento suscitava entre os compositores aumentou no século XVIII, um século no qual o violão também sofreu consideráveis mudanças: formas mais proporcionadas e harmônicas e a presença habitual de mosaicos entalhados.
A chegada da dinastia dos Bourbons a Espanha em 1701 provocou uma mudança no gosto musical e levou a um certo afrancesamento das formas, que implicou o abandono dos temas populares a favor de um moda alheia à tradição autóctone. Apesar de tudo, o violão adquiriu uma relevância nos meios eruditos, em contraposição com o que acontecia no resto da Europa (exceto na Alemanha), onde a crise do violão tinha começado a desenhar-se desde meados do século XVIII.
Ao longo deste século, apareceram numerosos tratados escritos já para violões de seis cordas. A atribuição da paternidade da sexta corda não tem estado isenta de controvérsia: é difícil seguir o rastro desta inovação, embora exista um certo acordo entre os especialistas em atribuí-la a Manuel Garcia, conhecido como “padre Basílio”, o cisterciense violonista na corte de Carlo IV. Além da adoração definitiva da sexta corda, ocorreram outras mudanças na forma que constituíram as bases para a instauração do violão como instrumento de concerto. O seu tamanho aumentou em paralelo às chanfraduras que se tornaram mais estreitas e se adotaram tarraxas mecânicas, os trastes multiplicaram-se até a boca e os mosaicos foram reduzidos. Mas talvez o mais importante seja a substituição das ordens duplas de cordas por ordens simples. Graças a estas inovações, o violão ganhou lugar na segunda metade do século XIX, embora até finais deste século não se possa considerar plenamente aceito na Europa. Na Espanha, a revisão da música popular que fizeram os compositores Isaac Albeniz ou Enrique Granados, juntamente com as novas possibilidades sonoras que o instrumento apresentava, possibilitaram o seu renascimento definitivo. A partir desse momento, a sua inclusão ocasional na orquestra e a participação em grupos de câmara fizeram com que a importância do violão não tenha voltado a ser questionada.
No Brasil, a viola de dez cordas ou cinco cordas duplas, precursora do violão, foi introduzida pelos jesuítas portugueses. Já no final do século XIX, no nosso país, o violão tornou-se o instrumento favorito para o acompanhamento vocal, e rapidamente converteu-se num instrumento muito usado na música popular brasileira.
Joaquim Santos (1873-1935) ou Quincas Laranjeira, considerado o “pai do violão moderno”, foi um dos precursores do violão no Brasil e nos últimos anos de sua vida dedicou-se a ensinar a tocar violão pelo método de Tàrrega.

Virtuosos e inovadores
Na Itália, a música que utilizava a pauta tinha sido editada em 1606 e encontrou o seu principal expoente em Giovanni Foscarini, que trabalhou na Itália e nos Países Baixos e publicou diversos livros, como Intanolatura di chitarra spagnola.
O violonista italiano mais conhecido da geração seguinte foi Francesco Corbetta, que se estabeleceu na corte do rei Carlos II da Inglaterra. Corbetta tinha estado também na França, onde circulava o já mencionada primeiro curso para aprender a tocar guitarra, obra de Luis de Briceño. Na França, a escola barroca alcançou a sua máxima expressão na música de Robert de Visée, um aluno de Corbetta, e do seu compatriota Jean Baptiste Lully.

Já entre os séculos XVIII e XIX, o italiano Niccolo Paganini e o seu contemporâneo espanhol Fernando Sor destacaram-se como verdadeiros virtuosos do violão. Tal como Sor, o seu amigo Dionisio Aguado publicou diversos estudos dedicados ao violão, entre os quais a Collección de estúdios para guitarra, de 1820, ou o Nuevo método de guitarra, de 1843. Aguado e Sor defendiam posturas opostas em relação ao domínio das cordas. Enquanto Aguado defendia que estas deviam ser tocadas com as polpas dos dedos, Sor advogava a conveniência de o fazer com as unhas. O francês Napoléon Coste foi um rival à altura deles. Coste, que tinha ganho uma reputação de ser o melhor violonistado seu tempo, sofreu um acidente que pôs fim à sua carreira em 1863. Durante o século XIX destacaram-se também os italianos Giovanni CArulli, Mauro Giuliani, Matteo Carcassi, Giulio Rengondi ou Zanni de Ferranti e os russos Makarov Aksenov, Swinzov e Sishra.
Na Espanha, Francesc Tàrrega foi o primeiro a aplicar as inovações propostas  por Antonio de Torres Jurado. As inúmeras transcrições    de obras de outros autores que realizou podem ser consideradas    tão          
importantes como as suas próprias composições. Tàrrega desenvolveu
ao máximo as possibilidades técnicas do instrumento e demonstrou um virtuosismo sem precedentes. Entre tanto virtuosismo europeu despontou a figura do paraguaio Agustín Barrios Mangore. Apesar de muitas de suas composições não terem sido publicadas, a sua técnica passou para a posteridade através de inúmeras gravações.

Reinventar o violão
Andrés Segovia é para muitos a expressão viva do violão moderno. Este homem decidido, que aplicou ao violão técnicas próprias, de outros instrumentos, começou a dar concertos aos cartorze anos e fez tudo o que pôde para elevar o violão à categoria de instrumento de concerto: compôs, tocou, transcreveu e encomendou inclusive obras a outros autores. Inúmeros compositores contemporâneos, entre eles Turina, Ponce ou Rodrigo, escreveram obras especificamente destinadas a este intérprete brilhante, capaz de extrair todos os recursos sonoros de seu violão.
Também o italiano Mario Castelnuovo Tedesco lhe dedicou alguns dos seus trabalhos, entre os quais Capricho diabólico (1935), Tarantella (1936) ou Concerto Op. 99 para guitarra e orquestra, de 1939.
Hoje em dia, destacam-se as figuras de Julian Bream, um intérprete excepcional, e John Williams, discípulo de Andrés Segovia que ultrapassou a fronteira do repertório clássico e se aventurou na música popular e tradiconal.

A expressão de um povo
Desde meados do século XIX, o violão espanhol e o canto formaram uma simbiose perfeita que deu lugar ao aparecimento de verdadeiros artistas. Primeiro como suporte do canto e da dança, e mais tarde como instrumento solista destacado, o violão é hoje em dia um membro indispensável em qualquer formação flamenco. Francisco Rodriguez Murciano, o Planeta, e Julián Arcas podem ser considerados os primeiros mestres da guitarra flamenca, aos quais se seguiram o Mestre Patiño, Paco de Lucena, Antonio Sol, Juan Habichuela ou Javier Monina entre muitos outros.


O desenvolvimento do violão no Brasil

A presença do violão no Brasil se desenvolveu principalmente em dois grandes eixos da expressão da cultura no país: Rio de Janeiro e São Paulo. Nestas cidades surgiram a maioria dos grandes violonistas brasileiros, que obtiveram sua formação instrumental com os professores que moravam nelas.
Yamandu Costa
Um nome importante é do violonista uruguaio Isaías Savio (1900-1977), que morou no Rio e se radicou em São Paulo. Savio fundou a Associação Cultural Violonística Brasileira, e em 1947, se tornou professor de violão do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, fundando a primeira cadeira de violão no Brasil.                  
Com sua popularização, o violão também tornou-se o instrumento favorito para o acompanhamento da voz, como no caso das modinhas, e na música instrumental, juntamente com a flauta e o cavaquinho, formando a base do conjunto do choro. Na década de 1950, reuniões casuais de músicos cariocas faz surgir um importante movimento da música popular brasileira, a bossa-nova.
Aparecem grandes violonistas como João Gilberto, e Roberto Menescal. Os festivais na década de 1960 também marcaram a música nacional, com nomes como o de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Outro nome que fez carreira internacional é Baden Powell.
Outros destaques são Beto Guedes, Paulinho da Vila, Toquinho e, já em uma nova geração o genial violonista Yamandu Costa. Porém, não se pode esquecer que a música brasileira para violão tem por base os doze Estudos sobre violão de Heitor Villa-Lobos, que além de um importante compositor, também foi um grande virtuoso do violão.
    
 Fonte: Fascículo da coleção Instrumentos Musicais (Editora Salvat)    

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